Comunicado dos proletários da faculdade ocupada ASOEE (Universidade de Economia de Atenas)
A primeiro alvor da manhã vem depois da escuridão mais profunda.
Até sábado 6 de Dezembro de 2008 pela noite poderíamos dizer que jusqu' ici tout va bien, observando a queda individual de cada um de nós no deserto do sistema capitalista. Nesse momento surgiu a fenda e a loucura destruidora de boa parte da juventude do país. Num primeiro momento, como tantas vezes na história, foram os factos que tomaram a palavra.
Primeiro, a arma do polícia, reivindicando como sua a repulsa do fenómeno da vida por parte de qualquer tipo de Autoridade. Derramou-se o sangue de um adolescente, e imediatamente o pranto se transmitiu de forma instantânea desde Exarquia até ao centro económico da metrópole e a outras grandes cidades, um pranto de chamas e vidros partidos, que transformava bancos e centros comerciais numa nuvem de raiva com a inscrição: VINGANÇA.
Dois dias mais tarde os centros natalícios das cidades pareciam ter sido os alvos de bombardeamentos de guerra, enquanto a economia de crise recebia outro sopro de morte no seu coração de hordas de “hooligans” destroçando mercadorias. “O Tratado de Varkiza rompeu-se, estamos em guerra de novo”. Falamos do regresso da luta de classes ao primeiro plano, falamos da solução para a crise: a solução para nós. E estamos só começando. Avancemos…
Somos parte da revolta da vida contra a morte quotidiana que nos impõe as relações sociais existentes. Com a força destruidora que latia dentro de nós, levamos a cabo um selvagem (mesmo que contraditório) ataque à instituição da propriedade privada. Ocupamos as ruas, respiramos livres apesar do gás lacrimogéneo, atacando a pior parte de nós mesmos: nossa imagem como escravos de nossos chefes, cuja forma mais extrema e repugnante é o polícia.
Erigimos uma barricada inquebrantável contra a repugnante normalidade do ciclo de produção e distribuição. Na situação actual, nada é mais importante que consolidar esta barricada face ao inimigo de classe. Mesmo que acabemos por recuar perante a pressão da canalha (para-) estatal e a insuficiência da barricada, sabemos que já nada voltará a ser igual nas nossas vidas.
Vivemos além disso uma situação histórica na qual se recompõe um novo sujeito de classe, que carrega há muito a responsabilidade de assumir o papel de coveiro do sistema capitalista. Achamos que o proletariado nunca foi uma classe pela sua posição, mas antes, constitui-se como classe para si mesma no confronto contra o capital, primeiro na prática para só depois adquirir consciência de seus próprios actos. A recomposição está tendo lugar por parte de grupos de sujeitos que se dão conta de que não têm nenhum controle sobre as suas próprias vidas, provenientes de camadas sociais que foram -ou estão sendo- espremidos no fundo do barril, e que estão entrando numa contraditória trajectória para a unificação.
O trabalho assalariado sempre foi uma chantagem. Actualmente é-o com mais intensidade, enquanto aumenta o número de trabalhadores empregados apenas circunstancialmente e com contratos precários em sectores que, enquanto são necessários para a reprodução da dominação capitalista, não têm utilidade social em absoluto. Nestes sectores, as lutas de classe, expulsas do campo da autogestão da produção, movimentam-se no do bloqueio e da sabotagem generalizados.
Simultaneamente, a automatização da produção e o abandono das políticas de pleno emprego criam grandes reservas de proletários desempregados empurrados para a margem da sociedade, que recorrem a trabalhos inseguros ou à economia subterrânea e ilegal para sobreviver. Desempregados, trabalhadores precários, estudantes do secundário e universitários, destinados a ser futuros escravos assalariados, trabalhadores imigrantes de primeira ou de segunda geração que diariamente vivem a marginalização e a repressão constituem, em conjunto com as minorias de trabalhadores radicais, a comunidade de insurgentes de Dezembro, uma comunidade baseada na comum condição da alienação e da exploração que define uma sociedade baseada no trabalho-mercadoria.
Lembremos que a véspera destes dias festivos foi realizada por aqueles que estão ainda num degrau inferior, os que perderam todo o desfrute no martírio da democracia, os encarcerados das prisões gregas.
Os proprietários da mercadoria chamada força de trabalho, que a investiram no mercado de valores da segurança social e com a esperança de ver a sua prole escapar da sua condição mediante a ascensão na escala social, continuam observando o partido insurgente sem participar, mas também sem chamar a polícia para o dissolver. Em conjunto com a substituição da segurança social pela segurança policial e o colapso do mercado da mobilidade social, muitos trabalhadores, sob o peso do universo em colapso da ideologia pequeno-burguesa e da insolência estatal, encaminham-se para uma (socialmente importante) justificação moral do levantamento juvenil, mas sem unir-se ainda no seu ataque contra este mundo assassino.
Continuam arrastando os seus cadáveres nas litanias de três meses dos sindicalistas profissionais, e defendendo um triste derrotismo sectorial contra a raivosa agressividade de classe que rapidamente passa a primeiro plano. Estes dois mundos encontraram-se na segunda-feira, 8 de Dezembro, nas ruas, e o país incendiou-se. O mundo do derrotismo sectorial tomou as ruas para defender o direito democrático dos papéis separados de cidadão, de trabalhador, de consumidor, e a participar em manifestações sem se ser alvo de disparos.
Muito perto dali, o mundo da agressividade de classe tomou as ruas em forma de pequenos “bandos” organizadas que partem, queimam, saqueiam e rompem as calçadas para lançar paralelepípedos aos assassinos. O primeiro mundo (pelo menos tal como o expressa o discurso dos sindicalistas profissionais) temia tanto a presença do segundo, que na quarta-feira 10 de Dezembro, tratou de manifestar-se sem a presença incomodativa da turba.
Já estava sobre a mesa o dilema sobre como estar na rua: ou com a segurança democrática dos cidadãos, ou com o confronto solidário do grupo, o bloco agressivo, a marcha que defende a existência de cada um mediante barricadas e ataques decididos.
Os eventos de Dezembro de 2008 (”Dekemvriana”) são o último capítulo de uma série de insurreições que percorrem todo o mundo capitalista. Na sua fase decadente, a sociedade capitalista nem pode, nem tem como objectivo obter o consentimento dos explorados mediante a aceitação de reivindicações parciais.
Resta apenas a sua repressão. Com a reestruturação começada em meados dos anos setenta (para rechaçar o motim proletário chamado “movimento de 68”), o capital encontrou-se face à seguinte contradição: enquanto que por um lado possuía a habilidade de criar uma massa humana de telespectadores passivos e consumidores de mercadorias, ao mesmo tempo devia negar-lhes (através da redução de salários) a possibilidade de adquirir estas mercadorias.
Desde este ponto de vista, não deveria surpreender o saque de um centro comercial na rua Stadiou por parte de gente que diariamente compartilha as promessas de uma falsa felicidade de consumo enquanto vê como se lhe negam os meios para cumprir estas promessas.
A insurreição de Dezembro não leva consigo nenhuma reivindicação concreta, precisamente porque os sujeitos que nela participam sofrem dia a dia a recusa da classe dominante em aceitar qualquer reivindicação, e portanto conhecem-na na perfeição. Os sussurros da esquerda, que num começo pedia a demissão do governo, transformaram-se num terror mudo e numa tentativa desesperada para acalmar a incontrolável vaga insurreccional. A ausência de reivindicações reformistas reflecte uma disposição subjacente (mesmo que ainda inconsciente) para a subversão radical e para a superação das relações mercantis existentes, e a criação de relações qualitativamente novas.
Tudo começa e amadurece na violência -mas nada se fica por aí. A violência destruidora que deflagrou nos eventos de Dezembro causou a suspensão brusca da normalidade capitalista no centro da metrópole, uma condição necessária mas insuficiente para a transformação da insurreição numa tentativa de libertação social.
A desestabilização da sociedade capitalista é impossível sem paralisar a sua economia -isto é, sem interromper a função dos centros de produção e distribuição, através da sabotagem, das ocupações e das greves. A ausência de uma proposta positiva e criadora de uma nova maneira de organizar as relações sociais era -até agora- algo mais que evidente. Não obstante, a insurreição de Dezembro deve entender-se no contexto histórico do endurecimento da luta de classes que está ocorrendo a nível internacional.
Uma série de práticas de luta -algumas da quais emergiram de forma fundamental em muitos países onde ocorreram importantes conflitos de classe- propõem e desenvolvem num nível embrionário a comunidade humana que vai abolir e transcender de maneira criativa as relações mercantis alienadas: as escolas ocupadas podem empregar-se como centros onde organizar-se para tomar as ruas e o espaço público em geral; as anti-lições organizadas no contexto do recente movimento de estudantes/trabalhadores precários na Itália, pondo o conhecimento ao serviço da comunidade que se está formando; expropriações colectivas em supermercados e livrarias, e a vida colectiva nas ocupações como modo de auto-cumprimento das promessas de alimentação, moradia e livros grátis; uma contestação radical às relações de propriedade, a cooperação em vez da apropriação pessoal (e às vezes a revenda) das mercadorias expropriadas, a conexão de assembleias de bairro, começando pelos assuntos locais, prefigura pois uma sociedade onde as decisões são tomadas e executadas sem a mediação de nenhum poder separado (cf. Oaxaca); transporte gratuito com os meios de transporte públicos, as déménages (invadir as agências de emprego e atirar todo o seu material para a rua) como se fez no movimento anti-CPE em França.
Estas (e muitas outras, que resultam da inteligência pessoal e colectiva), são as práticas que podem enriquecer e fertilizar as forças da negação, para que no seio da confusão da insurreição, comece a tomar forma a sociedade livre e comunista.
Fazemos tudo o que está ao nosso alcance para não abandonar as ocupações e as ruas, porque não queremos voltar para casa. Entristece-nos a ideia “realista” que mais tarde ou mais cedo teremos que voltar à normalidade. Enchemo-nos de alegria com a ideia que estamos no começo de um processo histórico de auge da luta de classes, e que se queremos, se lutarmos por isso, se acreditamos nisso, ele pode tirar-nos da crise, pela saída revolucionária deste sistema.
18 de Dezembro de 2008
Proletários da ASOEE ocupada (Universidade de Economia de Atenas)
Postagem mais recente Postagem mais antiga Página inicial
0 comentários:
Postar um comentário